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11 de novembro de 2010

A política brasileira frente à corrupção eleitoral: um quadro de violência contra a democracia participativa

Resumo

A grande quantidade de escândalos envolvendo a corrupção política dos representantes dos cidadãos não tem sido suficiente para parar o amorfismo social. As políticas alienadoras são exemplos de instrumentos governamentais que estancam o descontentamento popular por desonestidade política.
Mesmo com a Constituição Federal de 1988, a participação política popular tem se mostrado ineficiente na contenção dos abusos de corrupção e violência contra o povo.
Os crimes eleitorais se multiplicam dentro da sociedade, a impunidade deixa um lastro de desconfiança e desrespeito dos brasileiros frente às instituições políticas.
A conscientização popular deve ser o primeiro passo numa mudança positiva rumo a um Brasil digno para todos.


Palavras-chave: Políticas públicas, violência, corrupção eleitoral, constituição

Abstract

The large amount of political corruption scandals involving the representatives of the citizens has not been enough to stop the social paralysis. The alienating policies are examples of government instruments that stop popular discontent against political dishonesty.
Even with the 1988 Federal Constitution, popular political participation has proved ineffective in curbing the abuses of corruption and violence against the people.
Electoral crimes are increasing in society, impunity leaves a burden of mistrust and disrespect of the Brazilians against political institutions.
The public awareness should be the first positive change towards a worthy Brazil for everyone.


Keywords: Public policies, violence, electoral corruption, constitution

Introdução


As políticas públicas têm demonstrado características paliativas em relação às reais necessidades dos cidadãos. A própria existência dessas políticas põe em dúvida se elas não possuem, justamente, a função de manter a desigualdade social.
Apesar da grande quantidade de escândalos nos governos que se sucedem no Brasil, grande parte da população só se rende ao protesto popular quando seus direitos mais básicos são violados.
O domínio estatal baseado na corrupção eleitoral tem perpetuado a violência de uma classe que domina a economia. Nessa perspectiva não há violência armada, mas uma opressão psicológica decorrente do domínio dos meios de produção.
A corrupção eleitoral afeta a liberdade de pensamento e de escolha dos indivíduos.
Quando um cidadão vende seu voto, ignorando sua própria situação social e não lutando por melhorias violam direitos fundamentais inerentes a todo brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 veio repleta de direitos e garantias fundamentais que possibilitam ao povo participar da política ativamente, cobrando responsabilidade e ética dos governantes. Destarte, não é possível mudar os homens apenas pela criminalização de condutas. Uma educação de base (que agregue o indivíduo numa comunidade, que o faça compreender a extensão dos seus direitos) é imprescindível nesse processo rumo a uma democracia participativa verdadeiramente compromissada com o bem da coletividade.
Ademais, deve-se combater a impunidade dos políticos que compram votos, pois só combatendo a corrupção eleitoral pode-se combater com eficácia todas as demais formas de corrupção.

1. Políticas públicas: o novo pão e circo?

No período clássico, na Roma imperial antiga, os imperadores criaram uma forma de amenizar as críticas populares decorrentes de suas atitudes arbitrárias, a chamada política do Pão e Circo.

Atenuava-se, assim, a tensão social entre as camadas mais abastadas. Para consolidar o processo, Otávio oficializou a chamada política do ‘pão e circo’, distribuindo trigo e oferecendo espetáculos públicos para as massas urbanas empobrecidas.

O surgimento de tal política ocorreu por volta do início da era cristã. Mais de dois milênios depois quase nada mudou. Os governantes dispensaram o trigo e o circo, mas continuam fazendo uso de paliativos para dominar as revoltas populares e esconder do povo o que acontece nos bastidores.
O ‘pão e o circo’ foram substituídos pelas chamadas políticas públicas que tecnicamente, são
(...) o conjunto de planos e programas de ação governamental voltados à intervenção no domínio social, por meio dos quais são traçadas as diretrizes e metas a serem fomentadas pelo Estado, sobretudo na implementação dos objetivos e direitos fundamentais dispostos na Constituição.

Contudo, há discordâncias no tocante ao funcionamento real de tais políticas. Na prática, elas realmente atuam desta maneira? Para determinada corrente, uma definição mais adequada para a expressão é a de que política pública, ou social, é qualquer ação com o intuito de “tocar as desigualdades ou desconcentrar renda e poder” .
Doravante, os paliativos citados anteriormente corresponderiam a essas políticas, cuja finalidade seria a manutenção da ordem e do nível de satisfação social, a fim de evitar protestos populares contra o governo, de forma estritamente similar ao sistema utilizado no império romano. Também compõem um modo de encobrir alguns escândalos políticos que assumiriam proporções ainda mais desastrosas não fosse pela alienação popular criada pelo “pão e circo” moderno. “As políticas públicas (...) despontam como instrumentos de controle popular” .
Outro fator que parece fugir aos olhos da percepção popular é que tais paliativos são apenas uma forma de mascarar os verdadeiros problemas, mas nada é feito para solucionar o problema em seu âmago. E mais os recursos que deveriam ser empregados para solucionar tais problemas são os mesmos desviados nos atos gritantes de corrupção. Ora, se o orçamento público não prevê (obviamente) tais desvios, algum setor contemplado por aquele será desfalcado, do que se deduz que o desvio de verbas ocasiona a supressão de obras e serviços e/ou o aumento da carga tributária .

2. A violência como reflexo da corrupção eleitoral na sociedade brasileira

É fato que uma grande parcela social permanece amorfa frente aos abusos cometidos pelos políticos no mandado de seus cargos. Apesar disso, a complexidade do povo brasileiro, em sua totalidade, não nos permite afirmar com exatidão sua posição política: de resignação e passividade ou de indignação e luta. Pois, embora a população não saia às ruas protestando, de caras pintadas e cartazes nas mãos, a cada escândalo político que é descoberto e divulgado, as pessoas lutam por melhorias nas suas comunidades, fazem suas próprias leis e exigem que se cumpra o que lhes foi prometido quando se sentem ameaçadas diretamente, quando seus direitos mais básicos são ameaçados.
Entretanto, como concluir que a sociedade tem consciência de seu poder, valor e força quando não se mobiliza para enfrentar a corrupção eleitoral e modificar os seus reflexos?

A ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com que os interesses corporativos consigam prevalecer. A representação política não funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população. O papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo. O eleitor vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais .


As imagens refletidas pelo objeto “corrupção eleitoral” são inúmeras, feias, distorcidas. O mau uso dos recursos públicos, a má administração fazem prevalecer a fome, a miséria, o descaso, a violência, “perdeu-se a crença de que a democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade”.
Numa perspectiva marxista, o Estado é instrumento de violência das classes dominantes. Entretanto, essa violência não é armada, mas ocorre devido ao domínio dos meios de produção. Essa idéia nos leva a considerar que os diversos tipos de violência – frise-se que a violência não se restringe à força física, mas abrange a tirania, a opressão, a coação (física ou moral), a veemência – são a maior manifestação de poder existente .
Políticos corruptos, ao coagirem cidadãos a votarem neles, ao permitirem, aceitarem e até mesmo ignorarem a situação social do povo, ao não lutarem por melhorias, políticas públicas de qualidade, saúde, educação, cidadania, violentam também os Direitos Fundamentais e estão, dessa forma, violentando famílias, crianças, idosos, estão ameaçando a população.
No entanto, os danos causados pela corrupção eleitoral são muitas vezes negligenciados, tornam-se corriqueiros e, portanto, são poucas, ou raras, as manifestações contra as suas consequências. Mas

(...) por trás dos preconceitos contra a política estão hoje em dia (...) o medo de a Humanidade poder varrer-se da face da Terra por meio da política e dos meios de violência colocados à sua disposição, e — estreitamente ligada a esse medo — a esperança de a Humanidade ter juízo e, em vez de eliminar-se a si mesma, eliminar a política .


A violência como fruto da corrupção eleitoral é fato. O não cumprimento de quaisquer promessas feitas pelos governos, deixando comunidades carentes em péssimas condições de sobrevivência, com ausência de água, saneamento, é, sem dúvida, uma violência, um desrespeito aos Direitos Humanos, aos direitos fundamentais.
Contudo, “é possível que (...) o exercício continuado da democracia política, embora imperfeita, permita aos poucos ampliar o gozo dos direitos civis, o que, por sua vez, poderia reforçar os direitos políticos, criando um círculo virtuoso no qual a cultura política também se modificaria”.

3. A Constituição brasileira como aliada na conscientização popular

Historicamente, graças à colonização portuguesa de caráter unicamente exploratório, ao povo brasileiro sempre foram impostas limitações no processo político, seja na esfera constitucional, seja na eleitoral. Parece-nos que ele nunca se sentiu parte de uma democracia, como acepção etimológica do termo. Esta, em seu sentido pleno, ainda não foi alcançada, devido ao obumbramento da soberania popular.
Contudo, o crescente contato com a realidade política do país favoreceu uma transformação da sociedade de passiva em ativa, senão em sua totalidade, ao menos uma parcela. O Brasil descobriu que a Constituição Federal não é um corpo de leis inacessível à sua população, mas sim uma aliada na luta contra as injustiças e pela melhoria de todos os seus setores.

3.1Novos paradigmas eleitorais com o avento da CF/88

Com o advento da CF/88, os direitos fundamentais passam a ser vistos como uma conquista irremediável do então período da ditadura militar .
A nação brasileira ansiava pela democratização dos direitos, tendo o marco dessa concretização na CF/88. Esta deu ao povo uma gama de direitos fundamentais, prescritos em cláusulas pétreas, entre eles os Direitos Políticos (são as regras que disciplinam o exercício da soberania popular, ou seja, a participação nos negócios jurídicos do Estado).
Através da vertente representativa da organização democrática trazida na atual constituição, o povo tem duplo meio para abastecer os cargos eletivos: pelo exercício do sufrágio direto, secreto e pessoal e pela exteriorização de suas críticas e opiniões, consubstanciando apoios ou rejeições.
Os delineamentos fundamentais da forma republicana de governo – caracterizada pela temporariedade da ocupação dos cargos políticos e da própria estrutura estatal – têm por pilastras básicas uma série de valores. Entre eles estão a soberania (caracterizada pela independência em relação às outras nações e pela supremacia interna), a cidadania (que é conjunto de direitos fundamentais e de participação nos destinos do Estado. Pode ser ativa, que é o direito de escolher os governantes, e passiva, que é o direito de ser escolhido governante), a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político (fundamentado na diversidade de idéias e posicionamentos políticos numa livre propagação social).
À representação exercida via provimento de cargos eletivos foram acrescentados novos mecanismos de participação popular, novos meios de intervenção na política, tendo por consequência a compatibilização do regime democrático à moderna sociedade de massas da era pós-industrial.
Estes mecanismos estão no art. 14. Da CF/88: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I - plebiscito; II - referendo; III - iniciativa popular” .
A terceira modalidade de participação, arrolada no art. 14, a iniciativa popular , é a possibilidade de um projeto de lei ser proposto pelos cidadãos . Mais que isso: É a possibilidade dos órgãos/grupos organizados terem voz no governo, através da exteriorização da vontade de uma parcela social, tal como ocorreu com a promulgação da lei 9.840/99. Esse é o verdadeiro exercício da cidadania.

Os Crimes Eleitorais

Os crimes eleitorais são práticas que continuam a se multiplicar no ordenamento participativo, mesmo diante dos novos mecanismos de participação popular. Eles são “condutas descritas na lei como atentatórios à lisura, transparência, correta formação e desenvolvimento do processo eleitoral, que tem como resposta penal destinada a seus responsáveis a imposição correspondente de sanção penal, sem prejuízo da suspensão dos direitos políticos”.
A natureza jurídica dos crimes eleitorais é controvertida, na medida em que doutrinadores se dividem em duas correntes: a primeira diz que os crimes eleitorais, stricto sensu, “são aqueles que agridem as manifestações institucionais do regime representativo no âmbito eleitoral e partidário. Seriam crimes de natureza especial, não políticos” . A segunda corrente (oposta) afirma que “por atentarem contra a segurança e organização do Estado, em essência, são crimes políticos. (...) Em suma, são crimes contra o Estado, notadamente contra a ordem política, o que justifica o interesse estatal em prevenir tais práticas” .
Os crimes eleitorais, em sua maioria, são comuns, unissubjetivos, instantâneos, de forma livre, comissivos e comissivos por omissão, alguns podem até ser considerados unissubsistentes ou plurissubsistentes.
O Estado é sempre o sujeito passivo das infrações eleitorais. Em algumas hipóteses, o cidadão lesado ou que teve o exercício do seu direito cidadão ameaçado também pode ser sujeito passivo.
Os bens jurídicos tutelados com a tipificação das condutas gravosas ao processo eleitoral são supraindividuais, são formados por interesses jurídicos-sociais coletivos.
Entre as espécies do gênero crime eleitoral, tem-se a propaganda eleitoral antecipada, as novas práticas previstas na Lei 11.300/2006 , o financiamento irregular das campanhas eleitorais, a captação vedada de sufrágio entre outras. Esta última será analisada mais a frente através da Lei 9.840/99.

Vontade X Dificuldade: um país mais digno é possível?

Mesmo com o fim do período autoritário da ditadura militar, com o advento da CF/88 e dos novos mecanismos de participação popular na política brasileira, a corrupção eleitoral predomina a cada pleito e continua a corromper o sistema participativo.
A propositura de leis e sanções aos casos de corrupção ativa e passiva não é a solução mais eficaz para a diminuição da incidência dos crimes eleitorais, uma vez que se relacionam diretamente com a consciência de coletividade da nação, de bem comum, e isso não pode ser incutido nas pessoas à força, deve partir de uma sólida base educacional.
Está presente na sociedade um fortíssimo sentimento de individualismo. Falta a consciência da existência de um bem social difuso. O Poder Público não é sentido pelo eleitor que troca seu voto por um bem particular para solucionar um problema imediato. Destarte, incide sobre o eleitor a lamentável sanção de viver à margem da sociedade.
A visualização de respostas para essa questão é de fato complicada. A improbabilidade da realização das soluções oferecidas não é o problema. Mas sim, adequar tais propostas à realidade. A possibilidade efetiva de mudança do cenário político-social surge apenas a médio e longo prazo. Seriam necessárias modificações estruturais na perspectiva da sociedade. A exemplo disso tem-se a educação para a cidadania e a conscientização popular.
Educar para a cidadania traduz-se em educação para a vida e o convívio social, e não somente para o mercado de trabalho. Dessa forma, criar-se-ão verdadeiros cidadãos capazes viver em sociedade, não apenas na teoria, mas se preocupando com a nação como um todo, como uma fuga ao individualismo citado anteriormente.
A mobilização social é necessária para o aperfeiçoamento da nossa cidadania. A constituição não pode ser puramente nominal , deve ser respeitada por todos a cada dia.
A impunidade, ademais, deixa marcas para os brasileiros que não são esquecidas. A política fica estigmatizada, de modo que o indivíduo que se candidata a qualquer cargo eletivo é taxado de desonesto e corrupto. As generalizações desse tipo prejudicam a política brasileira, pois impedem que o povo enxergue alguma solução para a corrupção, que vislumbrem algum candidato que lhes ofereça confiança para ocupar o cargo eletivo. E, a partir dessa premissa, indivíduos vendem seus votos sob a tônica de que a situação da nação é irremediável. Perpetua-se, assim, o ciclo de amorfismo social frente à política infensa a vícios e desvios de condutas.
A corrupção aniquila e destrói qualquer cultura, por mais sedimentada que seja . Ela causa violência dentro do ambiente social e cria insegurança para o sistema representativo.
Sonhar com uma sociedade completamente livre da corrupção seria uma utopia, mas é possível reduzí-la a níveis mínimos que tornem a política brasileira mais harmoniosa e coerente, através de políticas públicas de valorização da educação e de redução da impunidade. A consciência popular possui o papel de guia desse processo, pois toda boa mudança deve começar de dentro do cidadão


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Um comentário:

  1. Esse foi o artigo produzido para submissão ao concurso de artigos do nono ato do ufal em defesa da vida, produzido por todos os estudantes conscientes!!!

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